Quando Ana se levantou de seus
sonhos escuros, daqueles de cores indistinguíveis que só os olhos fechados
reproduzem, decidiu que a culpa de toda aquela consternação não cabia ao último
livro que lera. Caberia, talvez, a alguns de seus sonhos executáveis apenas
trinta ou quarenta anos atrás. Apesar disso, nunca foi do tipo que reserva ao
passado os melhores títulos a respeito de músicos, filmes, escritores ou
qualquer outra coisa. Dizia a si mesma, mentalmente, quando alguém lhe pregava
essas teorias repetidas, que aquilo não passava de tolices. E, se lhe ocorresse
um ataque de nervos, despejaria toda sua sensatez sobre esse palerma tão cheio
de si. Mas já seria audacioso demais de sua parte qualificar alguém como
palerma e, além do mais, ela também se sentia nostálgica a maioria das vezes.
Só desconfiava um pouco mais que o necessário de pessoas que levantam uma placa
de suas convicções. Também tinha suas crenças e doutrinas, é verdade, e não
eram raros os momentos em que se pegava querendo imposta-las nas pessoas.
Graças a alguma divindade que habita sua parte mais profunda, Ana concluía que
eram pessoas tão intrigantes quanto uma tábua de madeira. E logo adiante,
concluía também que ela mesma era tão medíocre, senão mais, quanto essas
pessoas. Quando acontecia esses pensamentos circulares, acontecia também todo o
resto. Toda a angústia capaz de preencher a circunferência infinita lá dentro
da alma. Se chorasse, não saberia ao certo o porquê. Tudo pareceria tão menos
errado se ela simplesmente se ajustasse a algumas coisas. Se, pelo menos,
conseguisse terminar uma prosa amigável sem pensar uma vez sequer na vaidade de
tudo aquilo. Até mesmo quando se senta e escreve, condena seu ego. Toda aquela
busca no caos pelas palavras certas, a necessidade de não parar os dedos, ter
uma vida miserável e nunca ser um poeta de verdade. Não ousava o ser. Sem
perceber, passou a conviver com a amargura de seus caprichos e com a
sensibilidade; lhe enchia de água os olhos quando passeava por calçadas e se
permitia acreditar que em alguma casa da rua um poeta escrevia em seu quarto
escuro. E, por uns instantes, aquilo parecia ser a cura para o mundo.
_ Queria não estar tão cansada ao
final do dia, Beatriz. E poder observar a mudança de tons que acontece no céu
nesses horários. Mas eu sempre fecho os olhos e quando os abro já escureceu
completamente.
Beatriz nunca respondia a essas constatações,
não em voz alta. Não era preciso dizer coisa alguma, quando Ana já entendia
quase tudo que se passava em sua mente.
_Fica evidente no seu olhar,
Beatriz, e não estou a te romantizar. Você simplesmente não sabe esconder seus
encantamentos. Seus olhos são como espelhos do seu âmago, minha cara.
_Então o que é que se passa agora
em mim?
Ana hesitou um pouco antes de lhe
responder e lançar um olhar certeiro em sua direção.
_Você está tão desesperada quanto
eu.
Estamos todos.
ResponderExcluirLindo amiga, lindo. Estou tão feliz lendo você. O encontro com o amor realmente é também o encontro com a nossa verdadeira alma. Você também escreve, amiga, e belamente.
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