domingo, 7 de outubro de 2012

Ana


Quando Ana se levantou de seus sonhos escuros, daqueles de cores indistinguíveis que só os olhos fechados reproduzem, decidiu que a culpa de toda aquela consternação não cabia ao último livro que lera. Caberia, talvez, a alguns de seus sonhos executáveis apenas trinta ou quarenta anos atrás. Apesar disso, nunca foi do tipo que reserva ao passado os melhores títulos a respeito de músicos, filmes, escritores ou qualquer outra coisa. Dizia a si mesma, mentalmente, quando alguém lhe pregava essas teorias repetidas, que aquilo não passava de tolices. E, se lhe ocorresse um ataque de nervos, despejaria toda sua sensatez sobre esse palerma tão cheio de si. Mas já seria audacioso demais de sua parte qualificar alguém como palerma e, além do mais, ela também se sentia nostálgica a maioria das vezes. Só desconfiava um pouco mais que o necessário de pessoas que levantam uma placa de suas convicções. Também tinha suas crenças e doutrinas, é verdade, e não eram raros os momentos em que se pegava querendo imposta-las nas pessoas. Graças a alguma divindade que habita sua parte mais profunda, Ana concluía que eram pessoas tão intrigantes quanto uma tábua de madeira. E logo adiante, concluía também que ela mesma era tão medíocre, senão mais, quanto essas pessoas. Quando acontecia esses pensamentos circulares, acontecia também todo o resto. Toda a angústia capaz de preencher a circunferência infinita lá dentro da alma. Se chorasse, não saberia ao certo o porquê. Tudo pareceria tão menos errado se ela simplesmente se ajustasse a algumas coisas. Se, pelo menos, conseguisse terminar uma prosa amigável sem pensar uma vez sequer na vaidade de tudo aquilo. Até mesmo quando se senta e escreve, condena seu ego. Toda aquela busca no caos pelas palavras certas, a necessidade de não parar os dedos, ter uma vida miserável e nunca ser um poeta de verdade. Não ousava o ser. Sem perceber, passou a conviver com a amargura de seus caprichos e com a sensibilidade; lhe enchia de água os olhos quando passeava por calçadas e se permitia acreditar que em alguma casa da rua um poeta escrevia em seu quarto escuro. E, por uns instantes, aquilo parecia ser a cura para o mundo.

_ Queria não estar tão cansada ao final do dia, Beatriz. E poder observar a mudança de tons que acontece no céu nesses horários. Mas eu sempre fecho os olhos e quando os abro já escureceu completamente.

Beatriz nunca respondia a essas constatações, não em voz alta. Não era preciso dizer coisa alguma, quando Ana já entendia quase tudo que se passava em sua mente.

_Fica evidente no seu olhar, Beatriz, e não estou a te romantizar. Você simplesmente não sabe esconder seus encantamentos. Seus olhos são como espelhos do seu âmago, minha cara.

_Então o que é que se passa agora em mim?

Ana hesitou um pouco antes de lhe responder e lançar um olhar certeiro em sua direção.

_Você está tão desesperada quanto eu.

2 comentários:

  1. Lindo amiga, lindo. Estou tão feliz lendo você. O encontro com o amor realmente é também o encontro com a nossa verdadeira alma. Você também escreve, amiga, e belamente.

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