sexta-feira, 28 de agosto de 2015

cidade blues

a gente acorda, ensaia o mergulho anestésico na rotina, vinte, trinta, cinquenta minutos encarando a rachadura no teto, que te devolve um olhar vulgar, e você pensa mas que merda eu devia rebocar essas cinco paredes, aí você levanta e é seu rosto quem te devolve um olhar, dessa vez não vulgar, mas de comiseração, a gente torce pra ter uma cadeira no lado direito do ônibus e, se não tiver lotado, a gente torce pro ônibus não parar nunca de andar pra gente não ter nunca que descer, mas ele para, então o ponto alto no trabalho é quando a gente olha passagens no google flights e planeja aquela viajem que talvez não aconteça, e o marvin gaye se imortaliza em nossos ouvidos nos lembrando de que não, não conseguimos nem pagar nossos impostos quem dirá planejar viagens, a gente espera todo mundo ir embora porque a gente prefere voltas solitárias e, com um santo escondido na bolsa, a gente se agarra nele e faz uma reza pra que ninguém converse muito quando chegarmos em casa, então a gente senta no chão sobre um lençol velho e faz algum mudrá improvisado e de repente a vida parece suportavelmente bela.

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