quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

faz um ano, né. eu queria te contar que eu comecei a ouvir angela ro ro de madrugada e que realmente aconteceu o que você falou que aconteceria, que eu ia decorar um trecho dos sobreviventes sem querer. tipo a oração do peregrino russo. fora isso, não aconteceu muito. me espanta que eu perca o interessa tão rapidamente. depois que a gente desligou o telefone e eu confessei que não conseguia distinguir a linha que divide o profundo dos episódios imprecisos, não aconteceu muito. não que os episódios imprecisos não tenham sua importância. mas aconteceu de eu descobrir que eu gosto muito de ficar. que eu tenho uma facilidade incrível em reordenar prioridades, especialmente quando algo horrível acontece. tanto tempo tentando te fazer entender o quanto eu era passageira. mas nem é, eu queria mesmo é criar vínculos que eu julgo serem enormes demais com pessoas que não fazem ideia do quanto estou me jogando naquilo. eu já te disse que me espanta também que, quando criança, eu sempre esquecesse um pouco como era a voz do meu pai se ele não ligasse no último domingo? pois é, acho que ficou na minha cabeça por um tempo assim exagerado aquele poema sobre a arte de perder. e a voz importa. a voz importa muito. tanto que o coração ficou um fiasco logo antes de eu dizer oi, de eu dizer nossa que estranho te ouvir de novo. é que no fundo a gente sempre lembra ou faz um esforço danado pra desenhar de novo qualquer indício. em todo caso eu posso descrever a sua voz, e ela é indecisa. lembra de uma madrugada de sábado que a gente bebeu um monte, cerveja quente e um troço diluído com tang, sei lá, só tinha pessoas chatas nesse dia e eu disse pra você que a gente era melhor em dupla. então a gente foi pra casa, deitar num colchão com lençol sujo e uma fila de copos pelo quarto. eu fiquei tão doida, que depois de dizer que a gente se bastava eu disse que não, que não tinha saída. e não tem mesmo não, tem só caminhos mais práticos. é que naquela noite, quase de manhã, parecia bastante viável nós dois sozinhos no mundo. parecia um caminho prático só ficar ali, sem trocar lençol ou catar os copos sujos acumulados.

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