terça-feira, 14 de abril de 2015

Meu querido capitão-loucura

Poucas coisas são tão mágicas quanto bater perna na Estação Tatuapé às 22, junto com outras almas misteriosas pós-travessia por uma Guarulhos baldia, sempre indo e vindo. Eu e Ana, entre ruas com nome e sobrenome, perdidas mas nem tanto, numa altura da noite em que promessas para ver a linha do mar no alto do banespão são vendidas por um real. Padarias de esquina, portas de aço, luzes fracas. A Augusta arde estranhamente em uma overdose que se perdeu há anos. The heavy and lovely Sampa e o encantamento cafona pela tristeza latente dos arranha-céus. Me encontre em frente ao prédio da Gazeta, aquele em concreto amarelado, tem GAZETA talhado bem grande, assim, não é difícil. A gente tá junto nesse barco, nessa maré de corpos estrangeiros, onde ninguém se afoga, mas fica, frequentemente, sem ar. Morrendo discretíssimos por um olhar de compreensão. Perdemos o enredo em uma rua da Bela Vista apinhada de mulatas requebrando por uma vai-vai desconhecida. Vai lá, canta que caía a tarde feito um viaduto, canta nesta segunda-feira de despedidas. A Linha Azul nos levará para um céu de pipas, escadinhas estreitas de cimento e ladeiras que me lembram São Braz. Tem vinho e carne cozida, tem Elis e Adoniran no Bar da Carmela. Tem Ana, que banhada num imenso fim de tarde, me ensina os significados dos segredos de liquidificador. Três dias para sempre. Três dias para sempre compressados em horas que me escaparam num instante. Eu nem notei quando já estávamos descendo o viaduto que estremecia acima da Roosevelt, apontando pro Bexiga, nem me dei conta de que perdi nove cigarros, um pra cada ilusão que deixei deitar em meu colo, um pra cada esquina do Centro, um pra cada postezinho galvanizado da Liberdade. O que especialmente aprendemos é que os basculantes do Bexiga não são muito confiáveis. São Paulo é Clara, esse anjo torto, sempre de passagem, sempre inteira, sempre se jogando de alturas incalculáveis, sem planejar o voo, só indo, indo e indo. Não pares nunca meu querido capitão-loucura. São Paulo é Piva e sua paranoia. São Paulo é Ana chorando na Consolação, separando copos e isqueiros para os desesperados. E depois de todas as coisas, São Paulo me é agora distante e tão intermediária quanto a vida. Alguém disse que todos os caminhos nos levam de volta para casa e há qualquer coisa de verdadeiro nisso.  

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