levantei-me com pouca dificuldade hoje. talvez porque tenha acordado com um rosto muito luso. semblante que herdei de meus avós, diretamente de uma Santarém pós-atlântico. onde o blues são azuis e o mar um pouco mais salgado. acordei como quem caminha sempre pelo wild side. isso é genuinamente português, diria Conceição, um negro apaixonado por metrôs e que cantarolou Lou Reed enquanto dava aula. em uma manhã baiana, evaporando lá seus trinta graus celsius, Lou Reed foi cantarolado. metropolitanos. soteropolitanos. and the colored girls go dudurudu duru duru. Matilde sentou na beirada da minha cama e mexeu no cabelo precisamente sete vezes. e antes de Matilde, foi Ana que deu-me bom dia, mencionou Matilde para Bárbara, que logo quis uma troca de almas. mas foi a mim que Matilde visitou primeiro. curiosamente no dia em que acordo carregando os galhos da minha árvore genealógica. navios, bússolas, açores, tejo, torre de belém encarpetada na parede. tomei três copos de cerveja, sem sal obrigada. seis cigarros. três drágeas de buscopan. fiquei grogue no trabalho e, enquanto fingia escrever uma matéria muito importante sobre emissões de carbono, li sobre Nan Goldin e tentava furtivamente devolver o olhar para dois travestis que me encaravam na tela. espuma vermelha. agulha. apanhei o ônibus, que seguiu paciente a sua faixa exclusiva ironicamente tomada por carros. trinta cidades cabem em mim, até mesmo as cidades como essa. sinto falta dos coqueiros que não estão dividindo pistas, enfeitando fachadas de prédios ou portas de shopping. volto para casa sob a recém luz amarelada dos postes. o segurança do edifício k puxa um gengibre-vermelho plantado na calçada, cuidando para que não seja visto. em Portugal são três e cinco da manhã, então tenho que me despedir do espírito lusitano e rezar duas ave-marias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário