"A noite está quente. Desço para fumar, e converso com o
porteiro noturno do prédio onde moro, Fábio Ponza, este pequeno homem
destruído, magro e vazio, de raciocínio simples, com miúdos olhos de doninha
insone e cavanhaque de galã chinês de quermesse, que sofre, com a resignação de
um santo, por um erro cometido há um ano: ter traído a esposa, no oitavo dia de
nascimento de seu primeiro filho. Observo sua tristeza, sua vergonha, sua
minúscula boca de zíper, seu crânio de bola de bilhar, seus cotovelos de camelo
(engelhados de tanto sustentar o peso do corpo sobre a mesa de alumínio do bar
que frequenta), e sorrio, quase sem falar. Fábio gosta de mim porque me
considera um ótimo ouvinte, a quem faltam julgamentos morais. Não sabe que sou
só um escritor sem escrúpulos, memorizando notícias de outras tempestades que
não as minhas. De qualquer forma eu o compreendo e o amo em toda sua baixeza,
infinitamente menor que a que me cabe. Desejo honestamente que sua mulher o
aceite de volta, pois, nos meus livros, seu destino será trágico. “As mulheres
não perdoam não é, patrão”, ele pergunta. “Não, nunca, as mulheres são belas
demais para perdoar”, respondo. O melhor de tudo é que Fábio não tenta
justificar seus erros, ele apenas sofre e saliva, como se estivesse acuado,
vendendo pedidos de desculpa. E eu os compro. Bem barato."
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