domingo, 3 de fevereiro de 2013


Incrível como quando não temos nada para extrair de nossos dedos, escrevemos sobre essa terrível sensação. Quando sonhei em me empenhar num romance, nada me ocorria.

Beatriz encarou a folha, a grande tábula rasa a desafiando, e quase pôs-se a chorar quando as ideias pairavam tão distantes sobre ela e lhe escapavam em qualquer tentativa tola de apanhá-las e, é claro, depois fazia uma prece de pouca fé pedindo por uma frase que fosse.

Não havia nada de heroísmo nisso, nada que não frustração. Me senti estúpida e mais vazia que os grandes vazios dos poetas, que apesar de toda a lástima desembainham a faca corajosamente e cortam suas amarras, arrancando de si dolorosos versos.

Num desses dias chuvosos de janeiro, o grande mês trágico e agourento, havia decidido que dali em diante ia apenas cumprir meus horários. Deitar às dez e levantar às seis, tomar dois ônibus rumo ao inferno e aprender a escrever manchetes de jornais. Limite de cinco palavras, nada mais. Oh, sim, há muito percebi o quão idiota era aquilo tudo, mas já tinha perdido qualquer vontade de reclamar quanto a isso. A minha vida era rica em oportunidades, eu deveria ser grata. Eu devia estirar um tapete ao chão e orar cinco vezes ao dia, com a cabeça em direção a Meca. Acontece que eu tinha pouquíssima fé nas coisas espirituais e eu me achava uma tola também por isso.

Minha capacidade de alinhar as pequenas coisas boas que me aconteceram não escapava do rumo das coincidências. Eu nunca acreditei em nada mais, e talvez por isso minha alma tenha sido submetida ao castigo do nada.

Deus bondoso, que fizera eu? Tenha piedade de minha miséria.

Naquele mês uma imobiliária comprou todas as casas do quarteirão e somente a de minha mãe ficou fora de questão. Eu gostava de ver a força com que aquela casa velha continuava ereta em meio aos destroços das outras. Quando tinha que sair, o caminho me enjoava e eu já não me simpatizava com as linhas tortuosas que marcavam as calçadas como quando eu era criança. Eu via a morte sempre à espreita e assumi com covardia o medo que eu sentia. Cada esquina anunciava uma próxima desgraça. Pergunto se haveria um anjo repousando a cabeça em meu ombro quando eu estivesse triste, me livrando de cada suicídio iminente.

Minha boca como manchetes de jornais. Cinco palavras. Nem mesmo as letras sanguinolentas me arfam o peito e meu coração se esmorece como água morta. 

Um comentário:

  1. você descreveu grande parte da sensação que sinto e que sou obrigado a lidar diante da banalidade dos dias.

    coragem é algo necessário.

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